sexta-feira, 20 de abril de 2007

O POETA E A(S) POESIA(S) - Pequena fala sobre o poeta Douglas Zunino




Para falar do poeta blumenauense Douglas Zunino, é necessário voltar a falar do dualismo teórico-literário da criação escrita em Blumenau. Dentro desse dualismo, a literatura blumenauense divide os escritores blumenauenses em antropófagos (que se alimentam de e para Blumenau) e os anoréxicos, que tiveram de experimentar novos pratos ou morriam mesmo de fome – e nunca mais lhes caiu bem o enxaimel com chucrute. Foi a respeito do que escrevi no pseudo-ensaio anterior Literatura Blumenauense: Duas Leituras Possíveis e que não quero repetir aqui. No entanto, Zunino instiga a pensar novamente sobre esse dualismo, o que farei tentando encontrar para ele, dentro dessa proposta, um lugar dentro da literatura blumenauense.

A literatura contemporânea tem características bem marcantes. Potencializada pelo pós-modernismo, que ao mesmo tempo afirma e nega o modernismo, a literatura contemporânea chega mesmo a ser antitética, principalmente se focamos nossa fala na poesia. Características como a antiarte em resposta à arte; a forma negando o conteúdo; a metalinguagem literária falando a não-poetas e não-escritores são características que fazem da literatura pós-moderna instrumento tanto de encanto como de negação.

Douglas Zunino, por si só, já é antitético: tenta viver de poesia. Poeta de rua — que é, certamente, na rua onde é mais fácil encontrá-lo — o poeta faz parte do folclore da cidade como o marginal que não se ajustou às normas e mesmo assim sobreviveu. Mas vamos falar de literatura. Lendo os dois últimos livros de Zunino (Tatuagens e Cidadela) encontrei falas que se opõem, às vezes velada e às vezes vorazmente. Sendo o primeiro de, provavelmente, 2004 (não há data no livro) e o segundo certamente de 2007, percebemos que não há uma grande distância entre as duas publicações.

Em Tatuagens, Zunino deixa claro que ser poeta (e só) não é uma tarefa fácil, pelo contrário. Assim percebemos em Profissão de Fé: “poeta anda / na corda bamba”, “poeta paga o pato / e o leva pro almoço”, “poeta dá o sangue / por uma história”. Da mesma forma como, no mesmo poema, declara a escolha pela ‘profissão’ que exerce é questão de opção: “poeta morre de fome / mas não entra / em panelinha”. Em oposição, no entanto, em Cidadela, Zunino questiona: “Mas será o poeta / necessário? / Ninguém precisa de mim”.

Em relação a Blumenau, Zunino contrapõe-se fortemente. Começo por falar de Cidadela, poema-título de seu último livro. O poema, soube, foi louvado na câmara de vereadores da cidade no Dia do Poeta: dele foi feito um vídeo com imagens da cidade e do próprio Zunino. Ressalto alguns trechos:

“Tuas ruas
Estão em minhas veias.

Quando me percorres
E te percorro

(...)

Quando, por um breve
Espaço de tempo
E lugar
Estou fora de ti,
Sinto saudade

(...)

Te sinto
Em meu exílio

(...)

Minha cidadela,
Minha utopia”

Zunino, neste livro, irrompe em elogios à sua terra. A mesma terra que, em Tatuagens, vê-se como a cidade que tem flores, mas cujos moradores são duros como pedras (Poema no Asfalto). Da mesma forma, ainda em Cidadela, Zunino contrapõe-se ao citar o rio (há um rio-símbolo nessa cidade) como “um mar / escuro / lodoso (...) o oceano / que já dominava / nossa rua / nosso bairro / nossas vidas” (Nossas Vidas) e, na volta ao tema, pede a esse mesmo rio que leve sua saudade, sua tristeza — que leve “a dor inata de existir”. A mesma cidade, o mesmo rio.

Tentar situar Zunino dentro da teoria literária blumenauense é uma tarefa um tanto difícil. Melhor deixá-lo mesmo onde está: no tempo presente. Pois que não se deve, pelo menos por enquanto, para não cairmos no possível erro de classificá-lo como antitético. Melhor encontrar a resposta desse “cidadelismo” que surge na poesia de Zunino dentro de seus próprios poemas: (...)“fomos buscar / o que está além / da linha do horizonte (...) para nos lembrar / de como éramos antes”. (O Arco e a Ponte in Cidadela).

E a quem ousar o contrário, uma dica: Zunino avisa em Pra Rapaziada do Rock and Roll, de Tatuagens, a todo aquele que faz postura de inteligente, pinta de interessante, assiste peça “vanguardinha” e escreve versinhos, para cair fora. É a forma mais fácil, parece, de manter-se desencontrado inclusive por outros poetas. Afinal, é o que deve esperar quem tem como “herança / uma folha de papel / amante / a ilusão de ser / importante”. (Inventário, in Tatuagens).

sábado, 7 de abril de 2007

POESIA BLUMENAUENSE: DUAS LEITURAS POSSÍVEIS

Lindolf Bell e José Endoença Martins

INTRODUÇÃO AO PROBLEMA

A literatura blumenauense, segundo o professor e escritor José Endoença Martins, pode ser dividida basicamente em duas vertentes. Sendo Blumenau um espaço-tempo devidamente delineado pela história e pela geografia, podemos já falar, nessa mesma Blumenau, duas visões antagônicas: Blumenalva e Nauemblu.

Foi o nacionalismo forçado de Getúlio Vargas (a partir de 1930) que estagnou a criação literária blumenauense. Levando em conta que os colonos até então compunham em alemão por ser a única língua que conheciam, o silenciamento passou para além do lingüístico e tornou-se efetivamente cultural. Quando, porém, foi retomada a liberdade de cantar a terra e seu povo, Blumenau entrou num círculo vicioso de enaltecimento de si própria que demorou trinta anos para ser alcançado e ultrapassado, por assim dizer.

Lindolf Bell, poeta morador do vale que adotou Blumenau como moradia e musa, é o criador do termo Blumenalva. Para a poesia — e os poetas — dos anos de 1960, Blumenau era a musa inancalçável, dotada de pura beleza. O próprio termo Blumenalva sugere a visão teutônica de pureza, limpeza e riqueza percebida pelos olhos do blumenauense.

Nasci onde geografia se faz de sentimento
Lindolf Bell in O Código das Águas

Somente depois de trinta anos, ou seja, a partir da década de 1990, é que a poesia Blumenalva passa a ter uma corrente interlocutora e opositora: a chamada Nauemblu. Enquanto para os poetas sessentistas, a cidade e sua geografia (os vales, o verde, o germanismo e o rio) eram o principal tema de suas composições, para os escritores da corrente experimentalista da década de 1990, estes já eram temas ultrapassados. O enaltecimento de uma cidade localizada estaticamente no Vale do Itajaí deixava de fazer sentido para estes poetas que conseguiam observar além do vale e puderam perceber as fortes mudanças que a História lhes exigia: somente durante o século XX foram duas guerras mundiais, a polarização EUA x URSS, a globalização, as ditaduras militares latinas, entre tantos outros fatos relevantes que se fizeram perceber fora dos muros desta cidade.

O PROBLEMA

A análise que me disponho a fazer parte do seguinte pressuposto: Blumenau é uma cidade operária (isso, em si, já riquíssimo de significado) que tem de conviver com o trauma de não estar localizada na Europa, mas no Brasil, um país dito em desenvolvimento e com déficits em praticamente todas as áreas públicas.

Para efetuar minha análise, contemplarei muito rapidamente dois autores. Lindolf Bell e José Endoença Martins são polarmente opostos. Primeiramente, por pertencerem a momentos históricos distintos; depois, por terem opiniões adversas a respeito do papel da poesia e sua relação com o meio onde é composta — a poesia de Bell enaltece a cidade, suas tradições e seus respectivos traumas teuto-brasileiros, enquanto a poesia de Martins critica a atuação pseudo-germânica dos habitantes da cidade, chamando sua atenção para a realidade não-romântica, para o mundo real que a cerca, para além dos morros que compõem o Vale do Itajaí.

A poesia belliana, conforme a análise que proponho, é a poesia do sonho e pode ser interpretada como a genuinamente blumenauense, pois apesar da realidade que a cerca e dela exige mais realidade, continua imersa em nuvens brancas:

Se me quereis longe da paixão:
tirai o cavalo da chuva
Pois menor que meu sonho
Não posso ser.
Lindolf Bell, Poema do Andarilho in O Código das Águas.

Já a poesia que se contrapõe à pseudo-realidade de Lindolf Bell é a poesia não do sonho, mas da insônia, da angústia cotidiana, do humor azedo de uma segunda-feira de manhã:

Nesta cidade
de vampiros
um espirro
é mais que um susto.
Acorda-se
sobressaltado
dorme-se
com muito custo.
José Endoença Martins in Poelítica

Enquanto a poesia de Bell exalta o sonho, Endoença mostra-nos com que dificuldade se dorme onde “um espirro é mais que um susto”. Já o refrão “menor que meu sonho não posso ser”, que foi eleito o refrão poético da cidade, aparece onde couber nos espaços públicos. Endoença não aparece em lugar nenhum. Dos poucos que o conhecem de nome, menos ainda são os que o lêem. Parece-me que “numa cidade de ritos combalidos”, onde as pessoas têm os “olhos em enxaimel” (Endoença), acordar de fato para uma realidade dolorida e penosa — que, afinal, é a realidade da realidade dos fatos — é, pelo menos, uma tentativa de crime contra o sonho. O sonho que, por aqui é, ao que parece, uma das únicas saídas ainda, deve ser preservado através, principalmente, de sua arte inerte, de suas discussões inexistentes e de sua poesia sonâmbula, que escreve dormindo e não pode ser acordada.

Quem souber e puder, que faça diferente.