quarta-feira, 19 de setembro de 2007

Maicon Tenfen e Carlos Henrique Schroeder discutem o romance contemporâneo.

Pois que está acontecendo em Blumenau a Feira do Livro. Sobre este assunto, gostaria de poder escrever mais tarde e especialmente sobre ele. No entanto, é necessário dizer que alguma utilidade cultural teve. E foi na mesa-redonda com romancistas catarinenses que a Feira do Livro de Blumenau, mesmo depois de quatro dias acontecendo, tomou corpo finalmente.

Integraram a conversa os autores Maicon Tenfen, de Blumenau e Carlos Henrique Schroeder, de Jaraguá do Sul, mediados pelo historiador e escritor blumenauense Viegas Fernandes da Costa. O terceiro participante, Rodrigo Schwartz não pôde aparecer. Sob o tema Romance Contemporâneo, os dois escritores debateram não somente o gênero literário, mas também mercado e projeto literário, aquele que permite ao aspirante a escritor sê-lo ou procurar outra coisa para fazer.

Sobre os dois escritores, é preciso apresentá-los.

Maicon Tenfen, de 32 anos, é natural de Ituporanga, no interior catarinense. Doutor em Literatura pela UFSC, leciona Literatura Brasileira na FURB, em Blumenau, e tem oito livros publicados. Contista de fôlego, Tenfen é quem nos tira o fôlego com suas histórias de suspense em que o inusitado beira o previsível. Na região, é bonito comentar sobre o escritor e receber de resposta um “Eu já li!”, comentário tão caro a autores blumenauenses. Sem dúvida, Tenfen tem grande responsabilidade no enaltecimento da literatura local e do gosto por ler que provocou em centenas de estudantes com suas histórias.

Carlos Henrique Schroeder, 31 anos, é natural de Trombudo Central, no Alto Vale, e agora vive em Jaraguá do Sul. Com A Rosa Verde, seu mais famoso romance, Schroeder conta a história do movimento integralista e suas ações, tendo como pano de fundo a Jaraguá dos anos de 1960. Se formos pensar na importância de se ter um romancista e/ou contista de peso numa região em que a literatura mais consumida é a das dicas de Veja, o que se pode dizer de quem ainda ousa fazer, através da literatura, o resgate histórico de uma época sombria e pouco lembrada como a que antecedeu a ditadura militar no Brasil.

SCHROEDER

A fala de Schroeder beira o intimismo. Ao falar sobre o Romance Contemporâneo, apresenta seus livros falando do leu primeiro, quando ainda guri. “Comecei por Camus, Kafka... Não comecei lendo poesia, como a maioria das pessoas. Leio romances desde os 12 anos“.

Teorizando, Schroeder explica que existem dois tipos de romancistas, os de enredo e os de linguagem. Sobre isso, o escritor explica que há romances que tentam conquistar o leitor através de palavras, de como elas chegam ao leitor, de como dizem o que se poderia dizer de outra forma, mas dizem de forma rebuscada. Quanto aos romancistas de enredo, estes estão mais preocupados com os fatos, com o decorrer da história: a surpresa, a curiosidade, o suspense. “O bom escritor tem que ter dos dois; precisa ser tão bom na linguagem como no enredo que ele leva para o leitor”, diz o escritor. E em relação aos diversos escritores que surgem de tempos em tempos, Schroeder argumenta: “Só vão ficar os escritores que tiverem um projeto de literatura”.
Ou seja: fica por cima o escritor que escreve o que sabe que está escrevendo e consegue passar isso ao seu leitor.

Colocando na prática sua fala sobre os tipos de romance, Schroeder explica os dois livros que tinha em mãos durante a conversa. Enquanto para escrever Rosa Verde precisou do apoio de uma folha A3 (onde desenhou o mapa do enredo), em Ensaio do Vazio mistura a linguagem neo-barroca com linguagem contemporânea. “É um livro para escritor ler”, diz ele, contrapondo a densidade literário de Ensaio do Vazio à tensão de Rosa Verde.

TENFEN

Maicon Tenfen, pela natureza acadêmica, tratou de ser mais didático, por assim dizer. Citando romancistas catarinenses, inclui numa lista de importância os nomes de Dionísio da Silva, Cristóvão Tezza, Godofredo de Oliveira Neto, Urda Kluger...
Apontando para Flaubert e seu Madame Bovary, Tenfen coloca esta obra francesa como de primordial importância para se entender o romance contemporâneo. “Qualquer romance que se leia depois de Madame Bovary tem alguma semelhança, ainda que inconsciente, com este livro”. Flaubert mudou o rumo da literatura ao colocar no papel (na época, quem lia romances eram as senhoras burguesas) os podres da burguesia francesa. Dali em diante, o romance nunca mais foi o mesmo.

No entanto, Tenfen atenta para as dificuldades que o romance contemporâneo enfrenta. Tanto ler — mas principalmente escrever — um romance é um grande investimento. Investe-se tempo, investe-se emoção e o retorno... “Não há retorno, senão o aprendizado; quando você lê, você aprende e quando escreve é isso ao quadrado”.

Para explicar a diminuição do interesse pelo gênero romance, Tenfen cita Moacyr Scliar, para quem a tendência da literatura é diminuir de tamanho — basta perceber os últimos livros de Scliar, que envolvem da mesma forma, mas não são mais tão grandes: vivemos na modernidade de um mundo que nos exige tempo o tempo todo.

A CRISE OU A HORA DO ROMANCE?

Quando é aberto o espaço para perguntas, essa questão aparece melhor. Afinal, a literatura está em crise e estaria em crise o romance? Para Schroeder, o que está em crise é a “mídia romance”, o livro em si, que tem perdido cada vez mais espaço para outros meios midiáticos, como o rádio, o cinema, a televisão. É mesmo difícil para uma forma de comunicação tediosa (no que diz respeito a não falar, não se mexer etc) competir com o fluxo de informações que os eletroeletrônicos são capazes de transmitir.

Tenfen vê de outra forma. Demonstrando, da mesma forma, a imersão do ser humano contemporâneo na Informação ou na quantidade de informações, o escritor mostra que os grandes romances ou as grandes épocas para esse gênero literário foram momentos de crise. Sendo assim, “se o romance reflete uma sociedade em crise, esse é o grande momento do romance. Surgem grandes romances porque a crise é profunda”.

UMA FEIRA DO LIVRO VAZIA

Uma professora de Ensino Médio questiona com os dois escritores a ausência de interesse por leitura e de pessoas na visitação à Feira do Livro de Blumenau.
Schroeder causa alvoroço ao livrar o Estado de responsabilidade. Para o escritor, o que “falta iniciativa da sociedade civil”, lembrando que a educação vem de casa, embora não tenha sido criado num ambiente de leitores. Tenfen sugere que tem que se trabalhar por um ambiente propício à leitura e cita o PROLER como um bom exemplo de trabalho junto a professores e alunos. “No entanto, o PROLER é direcionado para o Ensino Fundamental, mas que tipo de trabalho se faz com o Ensino Médio?”. O escritor e professor lembra que nas séries iniciais do Ensino Fundamental é realizado um trabalho de incentivo a leitura que perde toda a força com a chegada da puberdade: “Nesse época, o nível de leitores chega a zero”. Para Maicon Tenfen, é necessário que seja feita uma transição entre as leituras da infância para a puberdade, e que esta transição sirva de ponte entre os dois períodos, a fim de não se perder leitores.

AFINAL, AS VENDAS AUMENTARAM

Como última pergunta para fechar esta conversa de quase duas horas, um espectador faz a ressalva de que existe boa literatura sendo comercializada, que existe fomento e que há a Internet a fazer o seu papel.

Schroeder, em contraponto, mostra que as vendas aumentam porque a população aumenta — e hoje o número de pessoas alfabetizadas é maior do que, por exemplo, no século XIX. No entanto, a crise se vê não somente relação escritor x mercado, mas também na relação com a própria literatura. “Tem-se escrito muita coisa ruim por aí”. No que diz respeito à Internet, Schroeder questiona o valor da Grande Rede. “A Internet somente serve para o mercado, não para a Arte”.

Sua fala é contraposta pela fala de Tenfen, para quem a Internet tem a grande propriedade de permitir que escritores que não conseguem espaço no mercado editorial possam mostrar seus trabalhos e seus nomes.

Com o fim da conversa entre os autores, o que ficou foi uma enorme sensação de saciedade. São raros, por aqui, os debates abertos entre escritores. Este só conseguiu público porque estiveram presentes alunos de Letras da FURB e um ou outro escritor agremiado de alguma instituição literária blumenauense. No mais, às 21 e pouco, quando se findava a interessante e rica conversa, já nem todos compunham a platéia.

Se a Feira do Livro de Blumenau tomou forma, foi nesta noite, quando a Literatura passou a ter o devido destaque. Ninguém melhor para falar sobre o livro do que alguém que tem o contato mais direto com esse objeto instigante. Ninguém melhor do que quem os escreve. Maicon Tenfen e Carlos Henrique Schroeder sem dúvida sanaram dúvidas e elucidaram um ponto importantíssimo: existe uma literatura contemporânea sendo produzida em Santa Catarina que, apesar dos pesares, vai muito bem, obrigado!