sexta-feira, 1 de fevereiro de 2008

Apontamentos para uma entrevista com Werner Neuert




Escritor de Indaial mostra-se grande expoente da literatura contemporânea, ainda que sua obra não tenha sido realmente descoberta
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A respeito de Werner Neuert, sei tanto quanto qualquer leitor que tenha tido contato com suas obras e tenha lido, nas orelhas destas, informações triviais como idade e profissão. Conheci sua escrita chocante no site do escritor Viegas Fernandes da Costa. Na ocasião, lendo o que Werner escreveu, lembro de ter sentido um misto de intensa excitação e vaga raiva. Não entendia nem um nem outro sentimento. Entendo agora. E se faço aqui apontamentos para uma possível entrevista, é porque sinto necessidade de conversar com Werner, saber quem é esse escritor, no mínimo, revoltante.

De início, é preciso dizer: Werner é um grande sedutor. Não somente seduz com sua linguagem sem rodeios, muitas vezes urbanóide, rápida e direta como também suas personagens têm sempre atos, olhares, pensamentos sedutores. E não se trata da sedução romântica a que estão acostumados os nostálgicos e aquietados. Pelo contrário: o que há de sedutor em Werner é justamente a sua contemporaneidade e a de suas criações, pessoas assustadoramente mais próximas de nós do que poderíamos supor.

Logo, lendo, deixando-se seduzir, vem a raiva, a revolta. Sim, por dois motivos: a) a genialidade de um escritor praticamente desconhecido de grande parte do público leitor que se (auto) denomina crítico e b) por escrever sem rodeios sobre tantos tabus quantos podemos imaginar que existam — claro, sempre descobrimos mais um — e fazê-lo de forma natural, clara, objetiva, ilustrando aquilo que está ali, muitas vezes na nossa frente, e não enxergamos porque somos cristãos, ou ateus, ou direitistas, ou esquerdistas, ou existencialistas, ou o quê. Mas Werner nos ensina, à força, que sempre haverá dentro de nós alguma excentricidade que não poderemos revelar a ninguém. E, quem sabe, nem a nós mesmos.

Conheço dois de seus livros. Creio que sejam os únicos dois. O primeiro, em ordem cronológica, é Do Ofício de Matar Bois. Deveria ser um livro de contos. E o que se espera de um conto? Oras, que tenha começo, meio, fim; moral da história? Nos contos de uma, duas páginas, nos deparamos com o improvável: incesto, adultério, loucura, bolinagem, patricídio (acreditam que essa palavra não existe?), suicídio, enfrentamento e pessimismo em relação ao passado. Conforme escreveu a respeito deste livro a escritora Urda Alice Klueger, o escritor “nos joga problemas e mais problemas nas mãos e, rapidamente, sai de cena, sem nos deixar fugir das realidades que deixou no palco”.

É fato: embora um ou outro escritor, nos dias de hoje, ainda consiga chocar seu leitor com palavras, muitas vezes resta uma sensação de que, na contemporaneidade, tudo já foi escrito. Talvez o que mude seja a forma de dizer. Por que não? Mas Werner não somente tem a sua própria forma de escrever — veloz, como um fugitivo; cortante, como uma faca de açougueiro — como consegue, de seu modo, reunir num livro de 70 páginas tantas aberrações sociais que não seria raro o leitor sentir um intenso mal-estar após sua leitura.

Mas de onde viria esse mal-estar? Seria, por exemplo, do contato que muitos seres humanos têm, pela primeira vez, com verdades também humanas que se escondem sob as peles de homens sociais, homens de família, homens de religião? Não seria porque, pela primeira vez, o leitor tem acesso a sentimentos escritos que talvez tenha sentido ele mesmo repetidas vezes e por saber do absurdo reprimiu-os sob sentimentos mais comuns na sociedade em que vive? São perguntas a se fazer a Werner.

Seu segundo livro em ordem cronológica, A Terra Estava Vazia e Vaga, pode ferir muito mais do que Do Ofício... Desta vez, temos uma edição dividida em duas partes principais, Histórias e Longas Histórias. Em Histórias, o que temos é uma excelente coleção de bizarrices. Na verdade, uma compilação de humanidades: falas cotidianas, coloquiais, que ouvimos, dia após dia, e às quais não damos muita atenção. Mas, tenho certeza, e o leitor também terá, de que muitas dessas falas, se não as dizemos da boca para fora, certamente as dizemos para nós mesmos, numa intimidade difícil de se chegar com a luz acesa.

Essa primeira parte da obra contém contos minúsculos, micro-contos de uma, três, cinco linhas. Ali, lemos sobre a Morte, sobre o Amor, sobre o Único Deus, o Cosmos Uno, sobre a Divina e Suprema Realidade. É, na minha opinião, o melhor dos dois. Não somente porque reúne muitas e muitas histórias breves e chocantes, como também fere mais a fundo por assumir a voz de seus falantes. Supondo, claro, que Werner escreva muito do que ouve. Perguntaria a ele: afinal, quanto daquilo é real e quanto é imaginário? Sendo a resposta "real", perguntaria: que tipo de naturalismo é esse? Ser realista, tudo bem, mas anti-ético? Anti-homem?

É óbvio que as perguntas seriam outras. O que Werner faz é radiografar - e aqui falo como sendo um leitor de Blumenau que descobriu um autor de uma cidade menor ainda, Indaial - uma sociedade silenciosa porque silenciada e nos mostrar somente as chapas. Mesmo porque nós fazemos parte dessa sociedade radiografada. E se nos assustamos, é porque vemos ali, claramente, contra a tela clara, os nossos próprios tumores.

Certamente que faria muitas perguntas a Werner. Farei, se possível, porque anseio por isso. Do que sinto falta, na verdade, é que já não tenha lido as respostas desse fantástico autor respondidas a outrem. Por acaso, nunca ninguém quis perguntar a Werner, em nome de um público leitor, a respeito de seus fazeres literários? Por que não? Por acaso, conhecem esse autor inovador que - besteira isso, de comparar - iguala-se a Dalton Trevisan, inovando-o; ri e chora com Sartre, Camus, Nizan, estes autores supervalorizados; mostra-nos, muitas vezes, o que (não quem) realmente somos e nos faz rir nervosos por ter descoberto, ter nos feito descobrir verdades simplesmente mentirosas sobre as pessoas que somos?

O dia em que a obra de Werner ultrapassar as barreiras coloniais do Vale do Itajaí e de Santa Catarina, tornará sua obra, como muitos gostam de dizer, cult. E então sua obra terá uma utilidade desigual, superior à dos livros de auto-ajuda, na descoberta, na aceitação e no entendimento daquilo que julgamos ser. E seu nome aparecerá em compêndios de literatura contemporânea como sendo o radiologista de uma sociedade doente e ciente disso, mas ignorante em relação a. E leitores e leitoras rirão da ironia destes escritos, mas no fundo sentirão alguma dor estranha, uma voz crescente que, quando for finalmente ouvida, lhes dirá, partindo deles mesmos: "Meu Deus, mas somos isto?"

Quem quiser saber um pouco mais sobre o autor, antes que eu o entreviste e procure decifrar um pouco desse escritor ímpar ímpar em terras sulistas, que leia algum dos seus livros e se deixe chocar com a sua crueldade, com a agilidade que este tem de segurar a marreta que, rapidamente, faz um boi enorme cair desconsolado. Que este novo leitor de Werner Neuert se deixe levar pelo sarcasmo e, quem sabe, comece ele mesmo a escrever na agenda, na caderneta, na lista de compras, bizarrices que ouve por aí, que pensa ele próprio, para entender que entre o real e a ficção há muito mais ligações possíveis do que as que academicamente julgamos possíveis.

Os livros de Werner Neuert são: Do Ofício de Matar Bois, publicado pela Editora Garapuvu e A Terra Estava Vazia e Vaga, da blumenauense Hemisfério Sul. Ambos fáceis de se encontrar em Blumenau, em livrarias e sebos. Portanto...