sábado, 7 de abril de 2007

POESIA BLUMENAUENSE: DUAS LEITURAS POSSÍVEIS

Lindolf Bell e José Endoença Martins

INTRODUÇÃO AO PROBLEMA

A literatura blumenauense, segundo o professor e escritor José Endoença Martins, pode ser dividida basicamente em duas vertentes. Sendo Blumenau um espaço-tempo devidamente delineado pela história e pela geografia, podemos já falar, nessa mesma Blumenau, duas visões antagônicas: Blumenalva e Nauemblu.

Foi o nacionalismo forçado de Getúlio Vargas (a partir de 1930) que estagnou a criação literária blumenauense. Levando em conta que os colonos até então compunham em alemão por ser a única língua que conheciam, o silenciamento passou para além do lingüístico e tornou-se efetivamente cultural. Quando, porém, foi retomada a liberdade de cantar a terra e seu povo, Blumenau entrou num círculo vicioso de enaltecimento de si própria que demorou trinta anos para ser alcançado e ultrapassado, por assim dizer.

Lindolf Bell, poeta morador do vale que adotou Blumenau como moradia e musa, é o criador do termo Blumenalva. Para a poesia — e os poetas — dos anos de 1960, Blumenau era a musa inancalçável, dotada de pura beleza. O próprio termo Blumenalva sugere a visão teutônica de pureza, limpeza e riqueza percebida pelos olhos do blumenauense.

Nasci onde geografia se faz de sentimento
Lindolf Bell in O Código das Águas

Somente depois de trinta anos, ou seja, a partir da década de 1990, é que a poesia Blumenalva passa a ter uma corrente interlocutora e opositora: a chamada Nauemblu. Enquanto para os poetas sessentistas, a cidade e sua geografia (os vales, o verde, o germanismo e o rio) eram o principal tema de suas composições, para os escritores da corrente experimentalista da década de 1990, estes já eram temas ultrapassados. O enaltecimento de uma cidade localizada estaticamente no Vale do Itajaí deixava de fazer sentido para estes poetas que conseguiam observar além do vale e puderam perceber as fortes mudanças que a História lhes exigia: somente durante o século XX foram duas guerras mundiais, a polarização EUA x URSS, a globalização, as ditaduras militares latinas, entre tantos outros fatos relevantes que se fizeram perceber fora dos muros desta cidade.

O PROBLEMA

A análise que me disponho a fazer parte do seguinte pressuposto: Blumenau é uma cidade operária (isso, em si, já riquíssimo de significado) que tem de conviver com o trauma de não estar localizada na Europa, mas no Brasil, um país dito em desenvolvimento e com déficits em praticamente todas as áreas públicas.

Para efetuar minha análise, contemplarei muito rapidamente dois autores. Lindolf Bell e José Endoença Martins são polarmente opostos. Primeiramente, por pertencerem a momentos históricos distintos; depois, por terem opiniões adversas a respeito do papel da poesia e sua relação com o meio onde é composta — a poesia de Bell enaltece a cidade, suas tradições e seus respectivos traumas teuto-brasileiros, enquanto a poesia de Martins critica a atuação pseudo-germânica dos habitantes da cidade, chamando sua atenção para a realidade não-romântica, para o mundo real que a cerca, para além dos morros que compõem o Vale do Itajaí.

A poesia belliana, conforme a análise que proponho, é a poesia do sonho e pode ser interpretada como a genuinamente blumenauense, pois apesar da realidade que a cerca e dela exige mais realidade, continua imersa em nuvens brancas:

Se me quereis longe da paixão:
tirai o cavalo da chuva
Pois menor que meu sonho
Não posso ser.
Lindolf Bell, Poema do Andarilho in O Código das Águas.

Já a poesia que se contrapõe à pseudo-realidade de Lindolf Bell é a poesia não do sonho, mas da insônia, da angústia cotidiana, do humor azedo de uma segunda-feira de manhã:

Nesta cidade
de vampiros
um espirro
é mais que um susto.
Acorda-se
sobressaltado
dorme-se
com muito custo.
José Endoença Martins in Poelítica

Enquanto a poesia de Bell exalta o sonho, Endoença mostra-nos com que dificuldade se dorme onde “um espirro é mais que um susto”. Já o refrão “menor que meu sonho não posso ser”, que foi eleito o refrão poético da cidade, aparece onde couber nos espaços públicos. Endoença não aparece em lugar nenhum. Dos poucos que o conhecem de nome, menos ainda são os que o lêem. Parece-me que “numa cidade de ritos combalidos”, onde as pessoas têm os “olhos em enxaimel” (Endoença), acordar de fato para uma realidade dolorida e penosa — que, afinal, é a realidade da realidade dos fatos — é, pelo menos, uma tentativa de crime contra o sonho. O sonho que, por aqui é, ao que parece, uma das únicas saídas ainda, deve ser preservado através, principalmente, de sua arte inerte, de suas discussões inexistentes e de sua poesia sonâmbula, que escreve dormindo e não pode ser acordada.

Quem souber e puder, que faça diferente.

7 comentários:

Anônimo disse...

Labes
Boa. Continua que as idéias andam boas.

Anônimo disse...

Cuidado, Labes. Toda dicotomia tem um fundo puritano/cristão e mais que isso um forte desejo de criar um demônio - mesmo que o demonio em questão seja o puritano - para celebrar o endeusamento de um grande outro. Te convido; dentro desta estrutura que estais propondo, pensar a poesia Cidadela, de Zunino, em nosso blog.
Abraços:

Ernesto Silva

Anônimo disse...

www.ipensa.blogspot.com

Marcelo Labes disse...

Comentário instigante, Ernesto. Espero ter tomado cuidado, de fato, para não ter caído na dicotomia que pões em questão. De qualquer forma, proponho Lautreamont, que supunha criar a dicotomia bem vs mal - e fundamentalmente instigar a crença no poder do mal - para justamente fazer relevar nas pessoas a consciência da necessidade do bem. O que isso tem a ver com o meu texto? Pouco, creio. Mas com o teu comentário, vem a calhar. De qualquer forma, é necessário oferecer uma visão paralela à corrente - pretificada e estática. Obrigado por aparecer. Abraço.

Marcelo Labes disse...

Comentário instigante, Ernesto. Espero ter tomado cuidado, de fato, para não ter caído na dicotomia que pões em questão. De qualquer forma, proponho Lautreamont, que supunha criar a dicotomia bem vs mal - e fundamentalmente instigar a crença no poder do mal - para justamente fazer relevar nas pessoas a consciência da necessidade do bem. O que isso tem a ver com o meu texto? Pouco, creio. Mas com o teu comentário, vem a calhar. De qualquer forma, é necessário oferecer uma visão paralela à corrente - pretificada e estática. Obrigado por aparecer. Abraço.

Ali Assumpção disse...

concordo com o ernesto, no tocante à dicotomia, pero, mucho me gustam, as reflexões e paralelos bell/endoença

aliás, preciso me nutrir um pouco de literatura blumenauense, que tão pouco conheço, para poder entrar pra rodinha e discutir com mais propriedade

começarei por endoença...rs

Marcelo Labes disse...

Ali,
pensei seriamente a respeito do que disse o amigo Ernesto. Concluí as dicotomias são inevitáveis à primeira vista, mas que se pode ir mais além, mais a fundo, e encontrar o terceiro ponto de vista. Nem que, para isso, tenhamos de criá-lo. Abraço.