quinta-feira, 4 de outubro de 2007

Um Cadáver na Banheira: sobre o livro e seu autor


Quando comecei a escrever sobre literatura blumenauense aqui neste blog e depois no sítio Overmundo, tive a felicidade de encontrar interlocutores com quem pudesse conversar a fim de compreender melhor a literatura localizada em Blumenau. Expondo a história dessa literatura em breve texto, para dali tentar compreender a dicotomia temática proposta por José Endoença Martins, buscando ver de cima a produção poética dessa cidade ou ousando interpretar o trabalho do poeta marginal Douglas Zunino, percebia que em algum momento deveria falar sobre Maicon Tenfen, o escritor. A hora é essa.

Maicon Tenfen é natural de Ituporanga, interior agrícola de Santa Catarina. Em 1996, quando ainda cursava Letras na Universidade Regional de Blumenau, publicou sua primeira novela. Entre a Brisa e a Madrugada, até então, era somente a publicação de um jovem aspirante a escritor. A seu respeito, escreveu Urda Alice Klueger:

“Em 1996 chegou-me às mãos o livro Entre a Brisa e a Madrugada, de um autor do qual nunca ouvira falar. Na primeira folga que tive, dei uma “olhadinha” no livro, e quedei-me pasma desde as primeiras páginas: ali estava um grande livro, extremamente bem escrito, que me levou de roldão na sua leitura, e que só consegui largar depois de lê-lo até a última linha.”

Tenfen publicou ainda as novelas Um Cadáver na Banheira (1997) e O Segredo da Montanha (1998). Em 1999, Tenfen publica seu primeiro livro de contos, O Impostor e, numa ascensão literária, publica em 2000 o romance O Filho do Feliciano, considerado pelo autor sua obra de maior fôlego. Na mesma linha de O Impostor, Tenfen publica, em 2002, Mistérios, Mentiras e Trovões, que então pode ser lido como novela de suspense ou livro de contos. O último livro publicado é Mania de Grandeza e Outras Crônicas, publicado em 2002 e que reúne parte das colaborações deste autor para o Jornal Diário Catarinense, de Florianópolis.

Dos sete livros publicados, um deles pode ser chamado de especial. Um Cadáver na Banheira faz parte de uma lista muito pequena de livros publicados em Blumenau e que tiveram sucessivas reedições. Pois que Um Cadáver chega agora à 3ª. Edição – com revisão definitiva feita pelo autor. A novela, além de manter o leitor tenso até a última linha, é muito mais do que um livro de suspense. Ou melhor, é um bom livro de suspense e isso quer dizer muito.

A verdade é que a ficção de enredo (aquela que se preocupa em contar bem uma história) é muitas vezes mal interpretada pelos intelectuais e pela academia. Esquecem-se, primeiro, que é a ficção de enredo a principal responsável por captar leitores para o mundo da literatura. Depois, por mero preconceito (muitas vezes, a academia taxa de malditos dinheiristas os autores de ficção que não estão lá muito preocupados com as dores da existência ou o sentido da vida pós-moderna), muitos livros de ótima qualidade não conseguem alcançar o devido espaço entre as “elites intelectuais” e a academia, sendo taxados, burramente, de subliteratura.

Acontece que quem não deu atenção à escrita de Maicon Tenfen, perdeu o surgimento de um dos maiores escritores da atualidade oriundos de Santa Catarina. No início, Tenfen foi classificado como um autor de literatura infanto-juvenil. Isso rendeu ao escritor dezenas e dezenas de visitas a escolas, onde seus livros eram lidos e discutidos na presença do autor. Depois, muitas destas crianças leitoras cresceram e continuaram acompanhando a literatura deste blumenauense que cada vez mais passou a figurar como nome importante na literatura do estado catarinense.

Além de o relançamento de Um Cadáver comemorar os primeiros dez anos da primeira edição, este livro está aqui para trazer à tona os caminhos percorridos por seu autor nos últimos anos. Com um livro no prelo para ser lançado em 2008 — a que tivemos acesso — percebe-se o quanto a escrita de Tenfen cresceu desde O Impostor. No entanto, Um Cadáver não é daqueles livros que os autores escrevem e que renegam depois de um tempo. Há ali muito que ser lido ainda hoje.

PRÉ-LANÇAMENTO

Numa atitude até então inédita, Maicon Tenfen reuniu, no dia 26 de setembro, representantes da imprensa local e pessoas interessadas em discutir literatura. Num bate-papo de quase duas horas, o autor reapresentou Um Cadáver e explicou o porquê de um pré-lançamento: “Acontece que quando o livro é lançado, as pessoas vão ao lançamento, um ou outro amigo até compra o livro e depois não se fala mais nele.” De fato, o que levou o autor a reunir estas pessoas foi a vontade de quem escreve de ver sua literatura sendo comentada, discutida, criticada.

Na reunião, Maicon explicou que considera Um Cadáver um livro que não foi bem lido. Questionado a respeito disso, o autor explica que, quando começou a publicar, por ser jovem e escrever em prosa, muitas pessoas o liam por simpatia. “O menino tá publicando, vamos ajudar comprando um exemplar”. Depois, o livro caiu nas mãos de professores e alunos de escolas catarinenses, mas nunca foi efetivamente criticado enquanto obra literária, enquanto produto literário. Em parte, por Santa Catarina não ter mesmo tradição de escritores e críticos desses escritores. Depois, por se tratarem de histórias de suspense que, como dito acima, não recebem lá muita atenção do público leitor acadêmico.

Acontece que o jovem escritor de novelas de suspense cresceu, assim como cresceu sua literatura. Doutor em Teoria Literária pela Universidade Federal de Santa Catarina, o professor Maicon Tenfen pode analisar sua obra com olhos críticos de quem entende melhor o que faz. Se por um lado o conhecimento acadêmico pode atrapalhar a produção instintiva de um escritor, por outro pode dar à obra leituras que vão além do mero significado das palavras. Pois foi dessa forma que Maicon Tenfen explicou que muito do que está escrito em Um Cadáver era, à época de sua publicação, somente intuição, um “querer dizer” alguma coisa. Quem lê este livro hoje não é mais o jovem escritor, mas um doutor em literatura e professor universitário que afirma ter conseguido passar a mensagem que pretendia.

Tenfen, além de um grande escritor, tem colaborado de forma significativa para a literatura produzida em Santa Catarina. Além de fazer parte de um grupo pequeno de “escritores que escrevem bem e conseguem publicar suas obras”, o escritor blumenauense mostra que se pode profissionalizar a publicação de livros. Afinal, que rumo pode tomar uma produção literária que se é escrita não é publicada, se é publicada não é distribuída? Pois que além do relançamento de Um Cadáver na Banheira marcado para o dia 23 de outubro na abertura do II Encontro de Estudos e Pesquisa em Língua e Literatura, Maicon Tenfen adianta terá o livro distribuído nas principais livrarias de Santa Catarina e negocia a distribuição em outros nove estados: Rio Grande do Sul, Paraná, São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Tocantins, Bahia, Ceará e Amazonas. O livro também estará à venda nos sites Submarino e Cultura. Pois como o próprio autor diz: “A meu ver, não adianta mais fazer livros pelo simples prazer de termos um nome estampado na capa, é preciso distribuí-los, eis a razão da nova edição.”

UM CADÁVER NA BANHEIRA – O LIVRO EM SI

Literatura de enredo é aquela em que o que realmente interessa são as idas e vindas de personagens, a forma como a história nos faz segui-la atrás de um gran finale, em busca de um desfecho interessante. Poderíamos assimilar como sendo parecido com cinema americano, aquele filme de suspense que assistimos curiosos, esperando para saber que fim terá o assassino, o rapaz que foge do monstro, a mocinha que matou o namorado. Em se tratando de literatura, a análise se torna um pouco mais complexa, mesmo porque falamos de escrita e leitura, onde o leitor faz parte da história, é o seu personagem oculto.

Um Cadáver na Banheira tem muitas pretensões. Ao mesmo tempo em que narra a história por vezes trágica, por vezes cômica do aspirante a escritor Jorge Gustavo de Andrade, também critica o mercado editorial dos interiores do país. Da mesma forma, assim como procura divertir e capturar o leitor para dentro da história (a história é principalmente ambientada em Blumenau, o que familiariza facilmente o leitor daqui), levanta uma série de questões sobre a própria literatura contemporânea. Parece que a academia intelectualizada não deu a devida atenção, não é? Mas sempre é tempo de recuperar a importância de uma obra.

Um livro de leitura dinâmica e instigante como este precisa de pelo menos duas leituras. A primeira, aquela que fazemos baseados em verdadeira ansiedade, almejando encontrar o desfecho o quanto antes, pode fazer com que passem despercebidos momentos importantes, de beleza literária, de conteúdo escondido entre um parágrafo e outro, uma linha e outra. Na verdade, pode se ter certeza de que várias leituras de Um Cadáver na Banheira voltarão a ser feitas. E que estas leituras digam muito mais sobre este livro e sobre este autor.

quarta-feira, 19 de setembro de 2007

Maicon Tenfen e Carlos Henrique Schroeder discutem o romance contemporâneo.

Pois que está acontecendo em Blumenau a Feira do Livro. Sobre este assunto, gostaria de poder escrever mais tarde e especialmente sobre ele. No entanto, é necessário dizer que alguma utilidade cultural teve. E foi na mesa-redonda com romancistas catarinenses que a Feira do Livro de Blumenau, mesmo depois de quatro dias acontecendo, tomou corpo finalmente.

Integraram a conversa os autores Maicon Tenfen, de Blumenau e Carlos Henrique Schroeder, de Jaraguá do Sul, mediados pelo historiador e escritor blumenauense Viegas Fernandes da Costa. O terceiro participante, Rodrigo Schwartz não pôde aparecer. Sob o tema Romance Contemporâneo, os dois escritores debateram não somente o gênero literário, mas também mercado e projeto literário, aquele que permite ao aspirante a escritor sê-lo ou procurar outra coisa para fazer.

Sobre os dois escritores, é preciso apresentá-los.

Maicon Tenfen, de 32 anos, é natural de Ituporanga, no interior catarinense. Doutor em Literatura pela UFSC, leciona Literatura Brasileira na FURB, em Blumenau, e tem oito livros publicados. Contista de fôlego, Tenfen é quem nos tira o fôlego com suas histórias de suspense em que o inusitado beira o previsível. Na região, é bonito comentar sobre o escritor e receber de resposta um “Eu já li!”, comentário tão caro a autores blumenauenses. Sem dúvida, Tenfen tem grande responsabilidade no enaltecimento da literatura local e do gosto por ler que provocou em centenas de estudantes com suas histórias.

Carlos Henrique Schroeder, 31 anos, é natural de Trombudo Central, no Alto Vale, e agora vive em Jaraguá do Sul. Com A Rosa Verde, seu mais famoso romance, Schroeder conta a história do movimento integralista e suas ações, tendo como pano de fundo a Jaraguá dos anos de 1960. Se formos pensar na importância de se ter um romancista e/ou contista de peso numa região em que a literatura mais consumida é a das dicas de Veja, o que se pode dizer de quem ainda ousa fazer, através da literatura, o resgate histórico de uma época sombria e pouco lembrada como a que antecedeu a ditadura militar no Brasil.

SCHROEDER

A fala de Schroeder beira o intimismo. Ao falar sobre o Romance Contemporâneo, apresenta seus livros falando do leu primeiro, quando ainda guri. “Comecei por Camus, Kafka... Não comecei lendo poesia, como a maioria das pessoas. Leio romances desde os 12 anos“.

Teorizando, Schroeder explica que existem dois tipos de romancistas, os de enredo e os de linguagem. Sobre isso, o escritor explica que há romances que tentam conquistar o leitor através de palavras, de como elas chegam ao leitor, de como dizem o que se poderia dizer de outra forma, mas dizem de forma rebuscada. Quanto aos romancistas de enredo, estes estão mais preocupados com os fatos, com o decorrer da história: a surpresa, a curiosidade, o suspense. “O bom escritor tem que ter dos dois; precisa ser tão bom na linguagem como no enredo que ele leva para o leitor”, diz o escritor. E em relação aos diversos escritores que surgem de tempos em tempos, Schroeder argumenta: “Só vão ficar os escritores que tiverem um projeto de literatura”.
Ou seja: fica por cima o escritor que escreve o que sabe que está escrevendo e consegue passar isso ao seu leitor.

Colocando na prática sua fala sobre os tipos de romance, Schroeder explica os dois livros que tinha em mãos durante a conversa. Enquanto para escrever Rosa Verde precisou do apoio de uma folha A3 (onde desenhou o mapa do enredo), em Ensaio do Vazio mistura a linguagem neo-barroca com linguagem contemporânea. “É um livro para escritor ler”, diz ele, contrapondo a densidade literário de Ensaio do Vazio à tensão de Rosa Verde.

TENFEN

Maicon Tenfen, pela natureza acadêmica, tratou de ser mais didático, por assim dizer. Citando romancistas catarinenses, inclui numa lista de importância os nomes de Dionísio da Silva, Cristóvão Tezza, Godofredo de Oliveira Neto, Urda Kluger...
Apontando para Flaubert e seu Madame Bovary, Tenfen coloca esta obra francesa como de primordial importância para se entender o romance contemporâneo. “Qualquer romance que se leia depois de Madame Bovary tem alguma semelhança, ainda que inconsciente, com este livro”. Flaubert mudou o rumo da literatura ao colocar no papel (na época, quem lia romances eram as senhoras burguesas) os podres da burguesia francesa. Dali em diante, o romance nunca mais foi o mesmo.

No entanto, Tenfen atenta para as dificuldades que o romance contemporâneo enfrenta. Tanto ler — mas principalmente escrever — um romance é um grande investimento. Investe-se tempo, investe-se emoção e o retorno... “Não há retorno, senão o aprendizado; quando você lê, você aprende e quando escreve é isso ao quadrado”.

Para explicar a diminuição do interesse pelo gênero romance, Tenfen cita Moacyr Scliar, para quem a tendência da literatura é diminuir de tamanho — basta perceber os últimos livros de Scliar, que envolvem da mesma forma, mas não são mais tão grandes: vivemos na modernidade de um mundo que nos exige tempo o tempo todo.

A CRISE OU A HORA DO ROMANCE?

Quando é aberto o espaço para perguntas, essa questão aparece melhor. Afinal, a literatura está em crise e estaria em crise o romance? Para Schroeder, o que está em crise é a “mídia romance”, o livro em si, que tem perdido cada vez mais espaço para outros meios midiáticos, como o rádio, o cinema, a televisão. É mesmo difícil para uma forma de comunicação tediosa (no que diz respeito a não falar, não se mexer etc) competir com o fluxo de informações que os eletroeletrônicos são capazes de transmitir.

Tenfen vê de outra forma. Demonstrando, da mesma forma, a imersão do ser humano contemporâneo na Informação ou na quantidade de informações, o escritor mostra que os grandes romances ou as grandes épocas para esse gênero literário foram momentos de crise. Sendo assim, “se o romance reflete uma sociedade em crise, esse é o grande momento do romance. Surgem grandes romances porque a crise é profunda”.

UMA FEIRA DO LIVRO VAZIA

Uma professora de Ensino Médio questiona com os dois escritores a ausência de interesse por leitura e de pessoas na visitação à Feira do Livro de Blumenau.
Schroeder causa alvoroço ao livrar o Estado de responsabilidade. Para o escritor, o que “falta iniciativa da sociedade civil”, lembrando que a educação vem de casa, embora não tenha sido criado num ambiente de leitores. Tenfen sugere que tem que se trabalhar por um ambiente propício à leitura e cita o PROLER como um bom exemplo de trabalho junto a professores e alunos. “No entanto, o PROLER é direcionado para o Ensino Fundamental, mas que tipo de trabalho se faz com o Ensino Médio?”. O escritor e professor lembra que nas séries iniciais do Ensino Fundamental é realizado um trabalho de incentivo a leitura que perde toda a força com a chegada da puberdade: “Nesse época, o nível de leitores chega a zero”. Para Maicon Tenfen, é necessário que seja feita uma transição entre as leituras da infância para a puberdade, e que esta transição sirva de ponte entre os dois períodos, a fim de não se perder leitores.

AFINAL, AS VENDAS AUMENTARAM

Como última pergunta para fechar esta conversa de quase duas horas, um espectador faz a ressalva de que existe boa literatura sendo comercializada, que existe fomento e que há a Internet a fazer o seu papel.

Schroeder, em contraponto, mostra que as vendas aumentam porque a população aumenta — e hoje o número de pessoas alfabetizadas é maior do que, por exemplo, no século XIX. No entanto, a crise se vê não somente relação escritor x mercado, mas também na relação com a própria literatura. “Tem-se escrito muita coisa ruim por aí”. No que diz respeito à Internet, Schroeder questiona o valor da Grande Rede. “A Internet somente serve para o mercado, não para a Arte”.

Sua fala é contraposta pela fala de Tenfen, para quem a Internet tem a grande propriedade de permitir que escritores que não conseguem espaço no mercado editorial possam mostrar seus trabalhos e seus nomes.

Com o fim da conversa entre os autores, o que ficou foi uma enorme sensação de saciedade. São raros, por aqui, os debates abertos entre escritores. Este só conseguiu público porque estiveram presentes alunos de Letras da FURB e um ou outro escritor agremiado de alguma instituição literária blumenauense. No mais, às 21 e pouco, quando se findava a interessante e rica conversa, já nem todos compunham a platéia.

Se a Feira do Livro de Blumenau tomou forma, foi nesta noite, quando a Literatura passou a ter o devido destaque. Ninguém melhor para falar sobre o livro do que alguém que tem o contato mais direto com esse objeto instigante. Ninguém melhor do que quem os escreve. Maicon Tenfen e Carlos Henrique Schroeder sem dúvida sanaram dúvidas e elucidaram um ponto importantíssimo: existe uma literatura contemporânea sendo produzida em Santa Catarina que, apesar dos pesares, vai muito bem, obrigado!

segunda-feira, 16 de julho de 2007

PANORAMA DA POESIA BLUMENAUENSE




INTRODUÇÃO

A pergunta mais lógica a ser feita, em princípio, é: por que entrevistar um prosador para falar sobre poesia? A questão não é essa. Primeiro, faltam leitores de poesia. Mas o que falta mesmo é uma leitura crítica de literatura. E se já são raros os leitores de poesia em Blumenau, o que dizer então de leitores de poesia blumenauense.

Maicon Tenfen não somente escreve, mas lê. E lê criticamente. E lê procurando, como poucos, respostas para significados além das metáforas e metonímias. Tendo conhecido praticamente todos os autores contemporâneos blumenauenses, ou pelo menos suas obras, Maicon tem uma opinião acerca do que acontece literariamente em Blumenau. Professor de literatura brasileira da FURB, o Doutor Maicon Tenfen é um (dos poucos) que ainda ousa pensar a linguagem além das linhas e entrelinhas.

Pois que resolvi entrevistá-lo para saber sua opinião a respeito do que pensava da produção poética blumenauense. O resultado é o que se poderá ler em seguida.

EXISTE UMA LITERATURA BLUMENAUENSE?

Para responder a essa questão, é necessário fazer uma outra pergunta: afinal, o que é literatura? “Se literatura é a produção escrita, simplesmente, não há como negar sua existência.” Afinal, escrevemos. Proponho então uma livre interpretação do conceito de Jakobson, que propõe ser a literatura ‘uma violência organizada contra a fala comum’. Ou seja: que a literatura seria uma forma de propor a revolução constante da linguagem. Estabelecida a definição que utilizaremos de Literatura, vem a resposta de Maicon: “Já houve, sim, uma literatura blumenauense.” Maicon chega aonde eu queria chegar com a nossa conversa: no experimentalismo literário dos anos de 1990.

1960-1990

Sabe-se que até os anos de 1990, o que imperava em Blumenau, apesar do aparecimento, poucos anos antes, de José Endoença Martins, era a literatura Blumenalva, de exaltação do germanismo local, do bucolismo de uma cidade colonial etc. Temos, nesse ponto, como figura máxima o poeta Lindolf Bell e seus respectivos seguidores — que não poderíamos citar aqui, de tantos que são. Uma poesia que, apesar de toda a repercussão e de tanta propaganda, chegou poucas vezes a um patamar literário superior.

A década de 1990 e o verdadeiro movimento literário que houve em Blumenau fez história por justamente revolucionar a linguagem. Foi uma época, nas palavras de Maicon Tenfen, de verdadeira efervescência cultural, tendo como poetas principais os nomes de Dennis Radünz, Marcelo Steil, Mauro Galvão, Tchello d´Barros e José Endoença Martins.

EXPERIMENTALISTAS

A revolução maior talvez tenha ocorrido em função da noção de coletividade dos próprios poetas. “Eram poetas da intertextualidade, que pesquisavam a linguagem”, diz Maicon. A importância desse movimento deve-se, portanto, à sua “ousadia, à sua coesão e à sua proposta literária”.

Sem dúvida. Enquanto os poetas bellianos (como são chamados os autores que ovacionam a cidade) insistiam em retratar o rio, os vales, as carroças e as flores — alguns poetas perceberam que havia por trás de tudo isso um mundo. O Mundo, por assim dizer.

Vê-se que o grande responsável por essa pequena — mas tão válida — produção localizada em alguns livros e num curto espaço de tempo, foi o poeta blumenauense Dennis Radünz, criador da alcunha Nauemblu – e dos poemas que , que define teoricamente a literatura dessa época. Propunham-se estes poetas, na visão de Maicon Tenfen, a “não somente discutir, mas fazer Literatura”.

Pergunto a Maicon Tenfen por que, então, não se ouve falar desses poetas e de suas obras. Ao que ele me fala do hermetismo de sua poesia. “O que parece é que as obras poéticas década de 1990, com exceção da de José Endoença Martins (que era justamente a mais popular), falavam de e para o próprio grupo.” A respeito disso, Maicon me diz que, apesar de parecer um erro dos poetas, escrever para si próprios talvez tenha sido uma meta alcançada, pois que foi a década de lançamento de alguns dos livros mais importantes de poesia publicados em Blumenau, entre eles Exeus, de Dennis Radünz; Fogofurto, de Marcelo Steil e Sincretinismo, de Mauro Galvão.

ENTRE A INSTITUIÇÃO E A MARGINALIDADE

A conversa com Maicon Tenfen ruma para o presente. É quando aparece a figura de Douglas Zunino, poeta marginal oriundo dos anos de 1970. “Zunino sempre esteve por aqui”, diz Maicon, referindo-se ao poeta de rua que volta e meia publica um livro não oficial, ou seja, com publicação custeada por ele ou por algum patrocinador e que insiste em não oficializar a obra. “Douglas Zunino tem uma obra boa, mas que não tem vazão. Ele deveria transcender o marginal e ocupar um espaço oficial”, diz Maicon a respeito do poeta que, ainda segundo ele, “apesar de ter estado entre os poetas experimentalistas, não se perdeu no hermetismo da ocasião”, reflete o professor. “O Douglas sempre quis comunicar”.

A verdade é que, em complemento ao assunto corrente, falamos do momento atual, em que literatura blumenauense sofre com sua institucionalização através de sociedades de escritores: “Poeticamente falando, estamos na jequice das instituições literárias”. Pois que, ao contrário de Douglas Zunino, há poetas que investem na coletividade e criam instituições literárias, seja ela uma sociedade de escritores ou mesmo uma academia de letras. A respeito de tais instituições, Maicon elogia suas atitudes de divulgação, que são realmente muito interessantes, como a ocupação vista na mídia local e nos calendários de eventos. “No entanto”, diz, “as entidades literárias daqui não são realmente significativas”.

O PRESENTE

Maicon Tenfen não vê, no momento, ninguém com uma obra poética representativa em Blumenau. José Endoença Martins, por exemplo, há anos não publica um livro de poesia — e parece mesmo que terminou seu trabalho nesse âmbito. Dennis Radünz foi para Florianópolis, Tchello d´Barros nunca passou dos poemínimos, “Mauro Galvão, pelo silêncio”, diz Maicon, “deve estar escrevendo, mas há tempos nada publica”; o único poeta que ainda escreve e publica poesia de verdade é Douglas Zunino. Mesmo que na marginalidade, por assim dizer. No mais, o que enche nossas páginas e nossos olhos é pura “poesia ginasiana”, conclui o professor.

sexta-feira, 20 de abril de 2007

O POETA E A(S) POESIA(S) - Pequena fala sobre o poeta Douglas Zunino




Para falar do poeta blumenauense Douglas Zunino, é necessário voltar a falar do dualismo teórico-literário da criação escrita em Blumenau. Dentro desse dualismo, a literatura blumenauense divide os escritores blumenauenses em antropófagos (que se alimentam de e para Blumenau) e os anoréxicos, que tiveram de experimentar novos pratos ou morriam mesmo de fome – e nunca mais lhes caiu bem o enxaimel com chucrute. Foi a respeito do que escrevi no pseudo-ensaio anterior Literatura Blumenauense: Duas Leituras Possíveis e que não quero repetir aqui. No entanto, Zunino instiga a pensar novamente sobre esse dualismo, o que farei tentando encontrar para ele, dentro dessa proposta, um lugar dentro da literatura blumenauense.

A literatura contemporânea tem características bem marcantes. Potencializada pelo pós-modernismo, que ao mesmo tempo afirma e nega o modernismo, a literatura contemporânea chega mesmo a ser antitética, principalmente se focamos nossa fala na poesia. Características como a antiarte em resposta à arte; a forma negando o conteúdo; a metalinguagem literária falando a não-poetas e não-escritores são características que fazem da literatura pós-moderna instrumento tanto de encanto como de negação.

Douglas Zunino, por si só, já é antitético: tenta viver de poesia. Poeta de rua — que é, certamente, na rua onde é mais fácil encontrá-lo — o poeta faz parte do folclore da cidade como o marginal que não se ajustou às normas e mesmo assim sobreviveu. Mas vamos falar de literatura. Lendo os dois últimos livros de Zunino (Tatuagens e Cidadela) encontrei falas que se opõem, às vezes velada e às vezes vorazmente. Sendo o primeiro de, provavelmente, 2004 (não há data no livro) e o segundo certamente de 2007, percebemos que não há uma grande distância entre as duas publicações.

Em Tatuagens, Zunino deixa claro que ser poeta (e só) não é uma tarefa fácil, pelo contrário. Assim percebemos em Profissão de Fé: “poeta anda / na corda bamba”, “poeta paga o pato / e o leva pro almoço”, “poeta dá o sangue / por uma história”. Da mesma forma como, no mesmo poema, declara a escolha pela ‘profissão’ que exerce é questão de opção: “poeta morre de fome / mas não entra / em panelinha”. Em oposição, no entanto, em Cidadela, Zunino questiona: “Mas será o poeta / necessário? / Ninguém precisa de mim”.

Em relação a Blumenau, Zunino contrapõe-se fortemente. Começo por falar de Cidadela, poema-título de seu último livro. O poema, soube, foi louvado na câmara de vereadores da cidade no Dia do Poeta: dele foi feito um vídeo com imagens da cidade e do próprio Zunino. Ressalto alguns trechos:

“Tuas ruas
Estão em minhas veias.

Quando me percorres
E te percorro

(...)

Quando, por um breve
Espaço de tempo
E lugar
Estou fora de ti,
Sinto saudade

(...)

Te sinto
Em meu exílio

(...)

Minha cidadela,
Minha utopia”

Zunino, neste livro, irrompe em elogios à sua terra. A mesma terra que, em Tatuagens, vê-se como a cidade que tem flores, mas cujos moradores são duros como pedras (Poema no Asfalto). Da mesma forma, ainda em Cidadela, Zunino contrapõe-se ao citar o rio (há um rio-símbolo nessa cidade) como “um mar / escuro / lodoso (...) o oceano / que já dominava / nossa rua / nosso bairro / nossas vidas” (Nossas Vidas) e, na volta ao tema, pede a esse mesmo rio que leve sua saudade, sua tristeza — que leve “a dor inata de existir”. A mesma cidade, o mesmo rio.

Tentar situar Zunino dentro da teoria literária blumenauense é uma tarefa um tanto difícil. Melhor deixá-lo mesmo onde está: no tempo presente. Pois que não se deve, pelo menos por enquanto, para não cairmos no possível erro de classificá-lo como antitético. Melhor encontrar a resposta desse “cidadelismo” que surge na poesia de Zunino dentro de seus próprios poemas: (...)“fomos buscar / o que está além / da linha do horizonte (...) para nos lembrar / de como éramos antes”. (O Arco e a Ponte in Cidadela).

E a quem ousar o contrário, uma dica: Zunino avisa em Pra Rapaziada do Rock and Roll, de Tatuagens, a todo aquele que faz postura de inteligente, pinta de interessante, assiste peça “vanguardinha” e escreve versinhos, para cair fora. É a forma mais fácil, parece, de manter-se desencontrado inclusive por outros poetas. Afinal, é o que deve esperar quem tem como “herança / uma folha de papel / amante / a ilusão de ser / importante”. (Inventário, in Tatuagens).

sábado, 7 de abril de 2007

POESIA BLUMENAUENSE: DUAS LEITURAS POSSÍVEIS

Lindolf Bell e José Endoença Martins

INTRODUÇÃO AO PROBLEMA

A literatura blumenauense, segundo o professor e escritor José Endoença Martins, pode ser dividida basicamente em duas vertentes. Sendo Blumenau um espaço-tempo devidamente delineado pela história e pela geografia, podemos já falar, nessa mesma Blumenau, duas visões antagônicas: Blumenalva e Nauemblu.

Foi o nacionalismo forçado de Getúlio Vargas (a partir de 1930) que estagnou a criação literária blumenauense. Levando em conta que os colonos até então compunham em alemão por ser a única língua que conheciam, o silenciamento passou para além do lingüístico e tornou-se efetivamente cultural. Quando, porém, foi retomada a liberdade de cantar a terra e seu povo, Blumenau entrou num círculo vicioso de enaltecimento de si própria que demorou trinta anos para ser alcançado e ultrapassado, por assim dizer.

Lindolf Bell, poeta morador do vale que adotou Blumenau como moradia e musa, é o criador do termo Blumenalva. Para a poesia — e os poetas — dos anos de 1960, Blumenau era a musa inancalçável, dotada de pura beleza. O próprio termo Blumenalva sugere a visão teutônica de pureza, limpeza e riqueza percebida pelos olhos do blumenauense.

Nasci onde geografia se faz de sentimento
Lindolf Bell in O Código das Águas

Somente depois de trinta anos, ou seja, a partir da década de 1990, é que a poesia Blumenalva passa a ter uma corrente interlocutora e opositora: a chamada Nauemblu. Enquanto para os poetas sessentistas, a cidade e sua geografia (os vales, o verde, o germanismo e o rio) eram o principal tema de suas composições, para os escritores da corrente experimentalista da década de 1990, estes já eram temas ultrapassados. O enaltecimento de uma cidade localizada estaticamente no Vale do Itajaí deixava de fazer sentido para estes poetas que conseguiam observar além do vale e puderam perceber as fortes mudanças que a História lhes exigia: somente durante o século XX foram duas guerras mundiais, a polarização EUA x URSS, a globalização, as ditaduras militares latinas, entre tantos outros fatos relevantes que se fizeram perceber fora dos muros desta cidade.

O PROBLEMA

A análise que me disponho a fazer parte do seguinte pressuposto: Blumenau é uma cidade operária (isso, em si, já riquíssimo de significado) que tem de conviver com o trauma de não estar localizada na Europa, mas no Brasil, um país dito em desenvolvimento e com déficits em praticamente todas as áreas públicas.

Para efetuar minha análise, contemplarei muito rapidamente dois autores. Lindolf Bell e José Endoença Martins são polarmente opostos. Primeiramente, por pertencerem a momentos históricos distintos; depois, por terem opiniões adversas a respeito do papel da poesia e sua relação com o meio onde é composta — a poesia de Bell enaltece a cidade, suas tradições e seus respectivos traumas teuto-brasileiros, enquanto a poesia de Martins critica a atuação pseudo-germânica dos habitantes da cidade, chamando sua atenção para a realidade não-romântica, para o mundo real que a cerca, para além dos morros que compõem o Vale do Itajaí.

A poesia belliana, conforme a análise que proponho, é a poesia do sonho e pode ser interpretada como a genuinamente blumenauense, pois apesar da realidade que a cerca e dela exige mais realidade, continua imersa em nuvens brancas:

Se me quereis longe da paixão:
tirai o cavalo da chuva
Pois menor que meu sonho
Não posso ser.
Lindolf Bell, Poema do Andarilho in O Código das Águas.

Já a poesia que se contrapõe à pseudo-realidade de Lindolf Bell é a poesia não do sonho, mas da insônia, da angústia cotidiana, do humor azedo de uma segunda-feira de manhã:

Nesta cidade
de vampiros
um espirro
é mais que um susto.
Acorda-se
sobressaltado
dorme-se
com muito custo.
José Endoença Martins in Poelítica

Enquanto a poesia de Bell exalta o sonho, Endoença mostra-nos com que dificuldade se dorme onde “um espirro é mais que um susto”. Já o refrão “menor que meu sonho não posso ser”, que foi eleito o refrão poético da cidade, aparece onde couber nos espaços públicos. Endoença não aparece em lugar nenhum. Dos poucos que o conhecem de nome, menos ainda são os que o lêem. Parece-me que “numa cidade de ritos combalidos”, onde as pessoas têm os “olhos em enxaimel” (Endoença), acordar de fato para uma realidade dolorida e penosa — que, afinal, é a realidade da realidade dos fatos — é, pelo menos, uma tentativa de crime contra o sonho. O sonho que, por aqui é, ao que parece, uma das únicas saídas ainda, deve ser preservado através, principalmente, de sua arte inerte, de suas discussões inexistentes e de sua poesia sonâmbula, que escreve dormindo e não pode ser acordada.

Quem souber e puder, que faça diferente.

sábado, 31 de março de 2007

BREVE HISTÓRIA DA LITERATURA BLUMENAUENSE (se a houver e a quem interessar possa)

Pois que vivemos em uma cidade assim: pequena, em fase de decrescimento; colonizada e ainda não emancipada; geográfica e culturalmente cercada de montanhas onde o vento não chega a soprar. Se metaforicamente Blumenau é uma cidade estagnada, o que se pode esperar na prática? Creio que não muito. Mas vamos falar de literatura.

Crê-se que a literatura começou por aqui ainda no século XIX. Ainda que se ativesse à literatura colona de nostalgia do país de origem, já pelos 1860 começava a haver uma escrita voltada para a localidade de onde se escrevia. Seguindo a tendência romântica, o escritor local evocava a natureza brasileira e sua família guerreira. Fossem naturalistas, deus nos livrasse de lermos a realidade dura de quem se embrenhou por esse buraco quente no meio da Mata Atlântica.

Acontece que chegou 1922, a Semana de Arte Moderna que inaugurou oficialmente a evolução poética brasileira e Blumenau pareceu não receber a notícia. Estariam muito mais preocupados com o rio, que poderia transbordar de uma hora para outra, com o movimento integralista — ramificação local do nazismo de Hitler — ou, posteriormente, com a castração nacionalista de Vargas que os impedia de continuar a ser estrangeiros no Brasil. A realidade bateu à porta do povo germânico local. Mais um motivo para agarrar-se aos braços do romantismo e sofrer como os jovens idealistas franceses de quase duzentos anos antes.

Blumenau sofreu com o nacionalismo, mas não muito. Em breve, com a ditadura militar, conheceria o fenômeno mais interessante de sua história: o vigor da indústria têxtil e o milagre econômico que fez boa fração da população local conhecer o conforto gerado pelo milagre econômico. Por essa época, uns baianos estavam cantando tropicalismos verdejantes. Pelo Brasil, ecoavam superevoluções ou revoluções culturais, tendo como nomes Gil, Caetano, um Chico “poeliticamente” mais emocionante do que nunca; havia Mutantes e tudo o que isso pode querer dizer; havia Glauber Rocha e Neville d´Almeida; havia Hélio Oiticica. E houve, principalmente, porque falamos de literatura, PanAmérica, de José Agrippino Soares, um livro — porque não se pode denominá-lo romance ou qualquer outra coisa — que fez tanto quanto Guimarães Rosa e seu Grande Sertão, mas fez mais: Agrippino chegou àquilo que se chama reflexão sobre a modernidade, evocando o caos, a violência e o prazer gratuito do sexo para explicar a vida metropolitana que ultrapassaria as barreiras do real, como nos dias de hoje. No entanto, com tanta coisa acontecendo, as coisas por aqui iam bem. Empresas como Artex, Teka, Sulfabril e Cia. Hering tinham em seu rol de empregados gente suficiente para transmitir o pensamento operário pelo ar. A estagnação, o silêncio e o etilismo tornaram-se endêmicos e, pelo que se percebe hoje, incuráveis.

Nos anos de 1980, finalmente uma esperança. Enquanto Lindolf Bell colhia os frutos plantados por sua Catequese Poética — embora interessante o movimento de Bell, sua poesia não deixou nunca de estar impedida de fazer pensar pelos morros que circundam Blumenau — um grupo de poetas ditos experimentalistas iniciavam um movimento tímido para a mídia, mas talvez o mais importante dos 156 anos de história dessa cidade: tendo o moderno surgido em no início do século XX e tendo já passados oitenta anos desse apogeu, era hora de a poesia superar a própria poesia e seu tempo. Com nomes como de José Endoença Martins, Douglas Zunino, Mauro Galvão e Dennis Raddünz, a cena poética não possui apenas pensadores, mas provocadores da teoria literária, sobretudo provocadores de um público leitor — leitor? — acostumado às convenções de facilitação da leitura. Pela primeira vez, a nau do pensamento vai de encontro ao mar-mundo. Blumenau deixa de ser o centro do universo de quem escreve e lê poesia.

A década seguinte, de 1990, é marcada pela efervescência literária. Surgem nomes como o de Tchello d´Barros e seus poemínimos, grande responsável pela criação de uma agremiação literária a qual se deu o nome de SEB, Sociedade Escritores de Blumenau. É por esses anos que é criada também a ALB, Academia de Letras de Blumenau. Num respeitado jornal catarinense, pôde se ler a mais complexa intriga escrita entre membros das duas agremiações. Pois que na ALB não constava nenhum escritor da SEB e ambas não se reconheciam como parceiras, mas como concorrentes.

O início do século XXI, se encarado como um período de forte simbologia pós-moderna, fez a literatura em Blumenau virar de pés para o ar. Contando com uma Sociedade de Escritores que não escrevem — se levarmos em conta a teoria literária de Roman Jakobson, para quem a literatura representa uma “violência organizada contra a fala comum” — a não ser o óbvio dentro da forma mais óbvia: prosa fútil representada em versos esquálidos e uma Academia Literária oficializada cujos escritores não figuram como intelectuais, muito deixou de se fazer em prol da boa literatura.

Há ainda resistência. Urda Klueger e Viegas Fernandes da Costa são nomes muito importantes. Urda, romancista romântica, mas cronista política de grande ação, ao mesmo tempo em que não deixa de lado a nostalgia — ou seria um retorno crítico ao passado infantil? — mostra-se atenta a fatos para os quais a mídia de massa brasileira não dá importância, sobretudo na temática social. Viegas escreve. Escreve e isso quer dizer muito, principalmente em se falando de um historiador com formação esquerdista — hoje apenas politizada — que vaga entre o erótico e o social com muita astúcia.

A essa altura, devem estar surgindo em Blumenau mais uma ou outra sociedade literária; resistentes devem estar escrevendo sobre o que acontece às suas voltas e eu componho este breve resumo. Mas uma pergunta deveria tocar os ouvidos de todos: para onde vai a literatura blumenauense? Se a houver, é claro.

sexta-feira, 30 de março de 2007

BUENAS!

Hola! Pois que resolvi entrar novamente nessa de publicar textos por aqui, na web. Acho que consegui acertar com a minha consciência essa história de publicar na internet ou em livro, posto que faço os dois. Primeiro, publicando aqui material em prosa que dificilmente conseguiria colocar num livro e ensaios que eu eventualmente venha a escrever sobre literatura, seja ela qual for. Depois, com o lançamento do Falações em papel, tinta, essas coisas de verdade, não-virtuais, que deve sair no mês que surge ou no subseqüente. Depende, é claro, dos patrocinadores.
Fico feliz em escrever. Ainda é uma das únicas coisas que faço com prazer. Espero que consiga estender esse prazer até o meu eventual leitor, provocando-o a responder ao texto.

Um grande abraço de volta.