quinta-feira, 4 de outubro de 2007

Um Cadáver na Banheira: sobre o livro e seu autor


Quando comecei a escrever sobre literatura blumenauense aqui neste blog e depois no sítio Overmundo, tive a felicidade de encontrar interlocutores com quem pudesse conversar a fim de compreender melhor a literatura localizada em Blumenau. Expondo a história dessa literatura em breve texto, para dali tentar compreender a dicotomia temática proposta por José Endoença Martins, buscando ver de cima a produção poética dessa cidade ou ousando interpretar o trabalho do poeta marginal Douglas Zunino, percebia que em algum momento deveria falar sobre Maicon Tenfen, o escritor. A hora é essa.

Maicon Tenfen é natural de Ituporanga, interior agrícola de Santa Catarina. Em 1996, quando ainda cursava Letras na Universidade Regional de Blumenau, publicou sua primeira novela. Entre a Brisa e a Madrugada, até então, era somente a publicação de um jovem aspirante a escritor. A seu respeito, escreveu Urda Alice Klueger:

“Em 1996 chegou-me às mãos o livro Entre a Brisa e a Madrugada, de um autor do qual nunca ouvira falar. Na primeira folga que tive, dei uma “olhadinha” no livro, e quedei-me pasma desde as primeiras páginas: ali estava um grande livro, extremamente bem escrito, que me levou de roldão na sua leitura, e que só consegui largar depois de lê-lo até a última linha.”

Tenfen publicou ainda as novelas Um Cadáver na Banheira (1997) e O Segredo da Montanha (1998). Em 1999, Tenfen publica seu primeiro livro de contos, O Impostor e, numa ascensão literária, publica em 2000 o romance O Filho do Feliciano, considerado pelo autor sua obra de maior fôlego. Na mesma linha de O Impostor, Tenfen publica, em 2002, Mistérios, Mentiras e Trovões, que então pode ser lido como novela de suspense ou livro de contos. O último livro publicado é Mania de Grandeza e Outras Crônicas, publicado em 2002 e que reúne parte das colaborações deste autor para o Jornal Diário Catarinense, de Florianópolis.

Dos sete livros publicados, um deles pode ser chamado de especial. Um Cadáver na Banheira faz parte de uma lista muito pequena de livros publicados em Blumenau e que tiveram sucessivas reedições. Pois que Um Cadáver chega agora à 3ª. Edição – com revisão definitiva feita pelo autor. A novela, além de manter o leitor tenso até a última linha, é muito mais do que um livro de suspense. Ou melhor, é um bom livro de suspense e isso quer dizer muito.

A verdade é que a ficção de enredo (aquela que se preocupa em contar bem uma história) é muitas vezes mal interpretada pelos intelectuais e pela academia. Esquecem-se, primeiro, que é a ficção de enredo a principal responsável por captar leitores para o mundo da literatura. Depois, por mero preconceito (muitas vezes, a academia taxa de malditos dinheiristas os autores de ficção que não estão lá muito preocupados com as dores da existência ou o sentido da vida pós-moderna), muitos livros de ótima qualidade não conseguem alcançar o devido espaço entre as “elites intelectuais” e a academia, sendo taxados, burramente, de subliteratura.

Acontece que quem não deu atenção à escrita de Maicon Tenfen, perdeu o surgimento de um dos maiores escritores da atualidade oriundos de Santa Catarina. No início, Tenfen foi classificado como um autor de literatura infanto-juvenil. Isso rendeu ao escritor dezenas e dezenas de visitas a escolas, onde seus livros eram lidos e discutidos na presença do autor. Depois, muitas destas crianças leitoras cresceram e continuaram acompanhando a literatura deste blumenauense que cada vez mais passou a figurar como nome importante na literatura do estado catarinense.

Além de o relançamento de Um Cadáver comemorar os primeiros dez anos da primeira edição, este livro está aqui para trazer à tona os caminhos percorridos por seu autor nos últimos anos. Com um livro no prelo para ser lançado em 2008 — a que tivemos acesso — percebe-se o quanto a escrita de Tenfen cresceu desde O Impostor. No entanto, Um Cadáver não é daqueles livros que os autores escrevem e que renegam depois de um tempo. Há ali muito que ser lido ainda hoje.

PRÉ-LANÇAMENTO

Numa atitude até então inédita, Maicon Tenfen reuniu, no dia 26 de setembro, representantes da imprensa local e pessoas interessadas em discutir literatura. Num bate-papo de quase duas horas, o autor reapresentou Um Cadáver e explicou o porquê de um pré-lançamento: “Acontece que quando o livro é lançado, as pessoas vão ao lançamento, um ou outro amigo até compra o livro e depois não se fala mais nele.” De fato, o que levou o autor a reunir estas pessoas foi a vontade de quem escreve de ver sua literatura sendo comentada, discutida, criticada.

Na reunião, Maicon explicou que considera Um Cadáver um livro que não foi bem lido. Questionado a respeito disso, o autor explica que, quando começou a publicar, por ser jovem e escrever em prosa, muitas pessoas o liam por simpatia. “O menino tá publicando, vamos ajudar comprando um exemplar”. Depois, o livro caiu nas mãos de professores e alunos de escolas catarinenses, mas nunca foi efetivamente criticado enquanto obra literária, enquanto produto literário. Em parte, por Santa Catarina não ter mesmo tradição de escritores e críticos desses escritores. Depois, por se tratarem de histórias de suspense que, como dito acima, não recebem lá muita atenção do público leitor acadêmico.

Acontece que o jovem escritor de novelas de suspense cresceu, assim como cresceu sua literatura. Doutor em Teoria Literária pela Universidade Federal de Santa Catarina, o professor Maicon Tenfen pode analisar sua obra com olhos críticos de quem entende melhor o que faz. Se por um lado o conhecimento acadêmico pode atrapalhar a produção instintiva de um escritor, por outro pode dar à obra leituras que vão além do mero significado das palavras. Pois foi dessa forma que Maicon Tenfen explicou que muito do que está escrito em Um Cadáver era, à época de sua publicação, somente intuição, um “querer dizer” alguma coisa. Quem lê este livro hoje não é mais o jovem escritor, mas um doutor em literatura e professor universitário que afirma ter conseguido passar a mensagem que pretendia.

Tenfen, além de um grande escritor, tem colaborado de forma significativa para a literatura produzida em Santa Catarina. Além de fazer parte de um grupo pequeno de “escritores que escrevem bem e conseguem publicar suas obras”, o escritor blumenauense mostra que se pode profissionalizar a publicação de livros. Afinal, que rumo pode tomar uma produção literária que se é escrita não é publicada, se é publicada não é distribuída? Pois que além do relançamento de Um Cadáver na Banheira marcado para o dia 23 de outubro na abertura do II Encontro de Estudos e Pesquisa em Língua e Literatura, Maicon Tenfen adianta terá o livro distribuído nas principais livrarias de Santa Catarina e negocia a distribuição em outros nove estados: Rio Grande do Sul, Paraná, São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Tocantins, Bahia, Ceará e Amazonas. O livro também estará à venda nos sites Submarino e Cultura. Pois como o próprio autor diz: “A meu ver, não adianta mais fazer livros pelo simples prazer de termos um nome estampado na capa, é preciso distribuí-los, eis a razão da nova edição.”

UM CADÁVER NA BANHEIRA – O LIVRO EM SI

Literatura de enredo é aquela em que o que realmente interessa são as idas e vindas de personagens, a forma como a história nos faz segui-la atrás de um gran finale, em busca de um desfecho interessante. Poderíamos assimilar como sendo parecido com cinema americano, aquele filme de suspense que assistimos curiosos, esperando para saber que fim terá o assassino, o rapaz que foge do monstro, a mocinha que matou o namorado. Em se tratando de literatura, a análise se torna um pouco mais complexa, mesmo porque falamos de escrita e leitura, onde o leitor faz parte da história, é o seu personagem oculto.

Um Cadáver na Banheira tem muitas pretensões. Ao mesmo tempo em que narra a história por vezes trágica, por vezes cômica do aspirante a escritor Jorge Gustavo de Andrade, também critica o mercado editorial dos interiores do país. Da mesma forma, assim como procura divertir e capturar o leitor para dentro da história (a história é principalmente ambientada em Blumenau, o que familiariza facilmente o leitor daqui), levanta uma série de questões sobre a própria literatura contemporânea. Parece que a academia intelectualizada não deu a devida atenção, não é? Mas sempre é tempo de recuperar a importância de uma obra.

Um livro de leitura dinâmica e instigante como este precisa de pelo menos duas leituras. A primeira, aquela que fazemos baseados em verdadeira ansiedade, almejando encontrar o desfecho o quanto antes, pode fazer com que passem despercebidos momentos importantes, de beleza literária, de conteúdo escondido entre um parágrafo e outro, uma linha e outra. Na verdade, pode se ter certeza de que várias leituras de Um Cadáver na Banheira voltarão a ser feitas. E que estas leituras digam muito mais sobre este livro e sobre este autor.