quarta-feira, 18 de junho de 2008

Livro de poemas? É fácil! (???)

Se me perguntarem, não saberei o que dizer. Longe da arrogância acadêmica — que sempre põe um nome em tudo — ou da inocência leiga, que ao contrário da outra chama tudo pelo mesmo nome, sinto que não consigo descrever este meu livro. Então penso: trata-se de um livro de poemas, é fácil. Mas do que são feitos estes poemas? Procuro no belíssimo texto da orelha, procuro no suntuoso posfácio e lamento: não sei.


Pois que poesia, aquela, onde terá ido parar? Fico muito feliz ao ler “De espantalhos...”, de Viegas Fernandes da Costa, lançado menos de um mês atrás, e encontrar ali o que eu procurava, seguro de que ainda se faz boa poesia. Da mesma forma como me sinto corajoso cada vez que abro “Pronomes de Caso Clínico”, de Mauro Galvão, para voltar a descobrir as linhas já gastas e encontrar, perdidas entre as letras, imagens ainda não desvendadas; folheei muitas vezes este livro.

Mas vamos ao ponto: Falações trata de quê? Ah, filhinho, tem de tudo ali: dor-de-cotovelo, ranço operário, psicanálise de botequim. Penso na decepção que terá o meu leitor que, procurando, não encontrará o que talvez quisesse ler. Afinal, trata-se de um livro de poesia, não é? E da poesia, que se espera?

Bom. Primeiramente, da poesia se espera que seja escrita por um poeta. De preferência, um tipo paspalho, feio, mas charmoso; perfumado e triste, com ar galanteador. O poeta, vamos analisar, não pode ser terreno. Não pode ser gente; gente que é, tem de parecer outra coisa. Um semideus das letras, por exemplo. Alguém que saiba lidar com a palavra, que durma com a palavra, acaricie a maldita da palavra enquanto sopra no ouvido da amante uns versos pré-fabricados.

E da poesia, acreditem, se espera que faça sentido. Que tenha começo, meio, fim; personagens, um narrador bondoso. Da poesia se espera que se torne prosa Sabrina de livro mofado no canto escuro do sebo. Que fale de amor, principalmente. Ou fale de coisas belas: paisagens bucólicas, finais felizes, céu azul de inverno e chocolate quente? Não sei. Que tipo de belo, o senhor pode me especificar?

Para se ler poesia, tem de ter livro nenhum ao alcance das mãos. Talvez assim dêem uma chance ao coitado. Ué, mas não é assim? Então que se leia o jornal diário, a revista da semana, o livro relançado ano a ano de que todo mundo fala e que virou filme. Sendo o último da estante, o mais barato no sebo, recomendado com insistência torna-se um livro lido.


Escrever versos passou a fazer sentido para mim depois de conhecer Manuel Bandeira. Mas o sentido estava no Bandeira fazer versos, não eu. Ali pude vislumbrar a felicidade do poeta (galanteador mesmo, poemas de amor mesmo) que punha em poucas linhas aquilo que lhe vinha à mente e que, ainda por cima, se podia chamar poesia. Depois de um tempo, Bandeira tornou-se estereótipo de movimento modernista, charminho de intelectual idoso querendo pegar moça bonita.

Então vieram os pós-modernistas, principalmente os mais de perto, que respiram o meu mesmo ar úmido. Ali vi que havia liberdade. Liberdade mesmo. Liberdade de rir da fábrica e dos operários da fábrica; liberdade de rir da mãe, do pai, da bursite, da Fluoxetina. E ri com eles. Muito depois deles, é verdade, mas o meu riso quase me afogou a mente. No entanto, ri sozinho. Já não era mais tempo de rir: chegara a hora da caridade.

Lia os irônicos e me decompunha. Estava ali com pessoas que pareciam arranjos de mesa de casamento, floridas e perfumadas, declamando entre si poemas que se tivessem sido lidos, antes, por uma criança jamais teriam sido dispostos ao público: a criança os censuraria. A essas entidades de amor mútuo, denominadas sociedades de escritores, cabe a censura de Mário de Andrade: “Em arte: escola = imbecilidade de muitos para vaidade dum só”. Me zanguei: vou rir, nem que seja sozinho, mas vou rir o meu próprio riso e escrever o que eu quiser.

Então chegaram, consequentemente, o non-sense e o foda-se. Poesia é o seguinte: está ou não no poema. O poema pode ou não ter poesia. Poema com poesia é poema; poema sem poesia é exercício caligráfico. E lá fui me meter a escrever o que me vinha à mente. E escrevi. Compartilho que minha letra melhorou muito nos últimos anos. Mas chega um momento em que tem de se decidir: afinal, a coisa anda ou não anda?

Andou. Falações está no prelo, no último lance de escada, abrindo a porta da minha casa para dizer que chegou e eu não sei como recebê-lo. Filho? Amigo? Irmão? Prefiro estabelecer com ele relações trabalhistas: eu trabalho, tu usufruis disto. Porque dizer de um livro de poemas que tem de ser escrito por um poeta já decepciona, quando o vivente se pergunta “e poeta, o que é?”. E se for mais adiante, vai quebrar a cara ao se perguntar do que é feita a poesia.

Mas está chegando. Abrindo a minha e a tua porta, leitor. Se tiveres paciência para procurar ali nas entrelinhas um vácuo, talvez tu o encontres. É nesse vazio que está todo o sentido de escrever. Um vazio meu, por vezes compartilhado, que não me deixa viver em paz, que me faz perder o dia atrás de um registro, um cheiro, que seja um toque: algo que me permita borrar a folha branca e suspirar: “está feito”. Mas não todos os dias, que fique claro, que eu tenho mais o que fazer. Alguns dias, aqueles dias.

Clamo ao leitor que me responda: afinal, este livro trata de quê? E já adianto que é bem mais fácil falar dos livros dos outros do que do seu próprio. Talvez pela obviedade (afinal, eu o escrevi e, em algum momento, foi óbvio tê-lo escrito), talvez pelo espanto de encontrar ali mais do que se tivesse buscado. Mas te digo: é um assombro!

Logo entro em maiores detalhes.

5 comentários:

Anônimo disse...

Posólha guri... gostei muito do que li aqui nesta madugada gelada.
Tô lendo o Viegas, esperarei o teu.
Abraço da Fatima.

Marcelo Labes disse...

Olá, Fátima. Bom que gostaste. E espero que a leitura de "De espantalhos" te seja tão reveladora quanto foi a mim.

Grande abraço.

Anônimo disse...

Olá querido!!

Muito bom o texto. Como sempre exercitando o dom das letras!

Ah...esqueceu de mim, né? Sou o Rubens, trabalhamos na locadora, amigo na clara, enfim, passa lá no meu blog!! hehe

Rodrigo Oliveira disse...

Talvez a poesia não tenha mesmo sentido (já há pouco q o tenha). às vezes a gente se enamora por ela. e mesmo assim ela dá na gente um pé na bunda, daqueles bem dados. às vezes tão forte, joga a gente pra fora de si mesmo. e daí eu deixo com a epígrafe q encerra o seu blog. q ele entende bem mais de poesia do que eu.

Marcelo Labes disse...

De fato, Rodrigo, o que dizer desse sentido que se busca e que, de fato, simplesmente não há. E quando nos joga, quando dizes, para fora de nós mesmos, é aí que podemos vislumbrar um quem sabe lampejo de significação. No mais, é isso mesmo.

Grande abraço.