Lançamento do primeiro livro de poemas de Viegas Fernandes da Costa não deixa dúvidas: ainda se faz boa literatura!
Quem já tinha lido Sob a Luz do Farol e sentiu-se satisfeito, ficará surpreso ao conhecer o primeiro livro de poemas do escritor Viegas Fernandes da Costa. Porque aquela prosa fragmentada de antes (não creio que conjunto de crônicas algum terá sentido maior do que a mão que as escreve) prepara o leitor para o que há de vir. E o que vem é este belo exemplar de “De espantalhos e pedras também se faz um poema”.
O poema, a meu ver, antes de tudo, é o próprio livro, o exemplar que se segura nas mãos. Impresso em linotipo, o volume, nas palavras do próprio Viegas, pretende afrontar o livros impressos na off-set, os livros “pós-industriais, pós-modernos, pós-livros”. Acontece que, conhecendo Viegas, pude logo ver que o que afrontaria seus leitores não seria o exemplar (o ferro, a tinta, a pressão sobre o papel). Quem afronta, realmente, é o poeta. Lá está.
“De espantalhos...” está dividido em três partes: O Livro das Pedras, Espantalhos no Deserto e Ecos de Mim. Lendo, relendo, passeando ou perdendo-se por estas páginas, surge a necessidade de revidar a insistência do autor em dizer que “não há uma unidade temática neste livro – não a procurem”; daí nós ignorarmos a recomendação e embarcarmos rumo à busca de uma unidade, uma significação para “De espantalhos...” que vá além da coletânea de poemas. Embarquemos!
Há em todo este livro uma grande necessidade de chocar, pôr o leitor contra a parede e exigir deste um ato, um gesto, uma resposta. Desde o primeiro grito, quando o poeta divide sua angústia com “AS PEDRAS TAMBÉM NÃO SÃO ETERNAS”, o leitor começa a envolver-se com um mundo que não é literário, imaginativo ou idealizado. É este nosso mundo que encontramos nos poemas de Viegas. E talvez seja por isso que não consigamos sair ilesos.
O Livro das Pedras é uma surpresa. Não somente pela unidade do tema (lá no título já nos é avisado, na verdade), mas por ser breve e direto, como em “A pedra no meio do rio, afronta / como pedra no meio do rio, / em silêncio, o tempo e as águas”. Novamente, o poeta é bondoso conosco, ingênuos leitores, e há novamente a preparação para o que há de vir. Coitados, o que seria de nós ao entrar despreparados em Espantalhos no Deserto.
Rápido, é preciso ler rápido. Leitor, não brinque por estas páginas, senão a realidade acaba batendo à tua porta e tu te mijas todo! Já tinha lido assim
Para não dizer que Espantalhos no Deserto é somente estupor, susto e azia, lemos ali o antológico Impressões do Vale. O poeta, desta vez, analisa a vida em uma cidade que poderia ser qualquer uma, desde que cortada por um rio qualquer, um “rio que zomba delas, / a veia de merda que vaza / do leito que não dorme. Conseguimos nos enxergar ali? Todo o tempo! Seja na figura da moça fiandeira, nas formigas que “todos os dias, em carreiras, enchem os ônibus”, naqueles que “invejam o ócio que reprimem com bocejos de cansaço”. Sim, podemos nos ver todo o tempo ali, todo o tempo, e não temos a menor vergonha por isso.
O que lemos em Ecos de Mim, capítulo que fecha o livro, é justamente a abertura. O poeta, de peito aberto, entrega-se em poemas intimistas. Adultos, infantis, o poemas de Ecos de Mim põem-nos a dois passos do Viegas que compõe versos, mas esse encontro, o toque, não é possível, já que o poeta ou esconde-se nas sombras (Nas dobras das sombras) ou esconde-se dentro de si mesmo (Ecos de mim).
O que fica? Esta terceira e última parte de “De espantalhos...” já não é tão dura. O mundo, agora, não é o nosso, é o mundo do poeta. Contemplamos e buscamos compreender, queremos ajudar, ouvir o que mais aflige o compositor. O último capítulo bem poderia ser o primeiro. É leve, mesmo que tenha a mesma força dos outros dois cadernos. Não dá pra saber, por aqui, se conseguimos alcançar o sentimento que teve o poeta ao compor estes poemas. Nunca saberemos, e talvez seja esta a pergunta que ecoe: “Poeta, e agora?”.
Muito boa a leitura de “De Espantalhos...”. Confesso a surpresa boa de quem não esperava o que ler e acabou encontrando o que somente talvez supusesse: um poeta que não escrevesse sobre seu umbigo, como se acostumaram a fazer tantos, e que levasse a sério o ofício da escrita. Talvez seja esta a grande unidade deste livro: a seriedade. Sério como poucos, poeta como poucos, Viegas Fernandes da Costa mostra-se uma Polaroid por demais ciente do que significa poetar.
E a quem ainda não chegou a dura voz da realidade, ela esta ali, nas páginas rudes de “De espantalhos e pedras também se faz um poema”. Ouse ouvir, leitor, que depois a gente conversa.